31 de maio de 2007

névoa

névoa que rodeia a serra fugidia
frémito que augura algo
penso-te há duas horas
acordaste ao meu lado
o hábito de te sonhar está já enraizado

sem a tua presença sinto o teu cheiro
já parte do meu sistema
nervos procuram os teus nervos
mãos procuram-te sem te encontrar
anseiam por outro toque que não o solitário
olhos abrem a tua imagem ao fecharem sobre o mundo
lábios sentem a tua ausência dolorosa
tremem na tua lembrança
corpo necessitado dessa dose

o sol aparece
a névoa dissipa-se
tu não

28 de maio de 2007

formatação

formatação habitual dos costumes metafísicos necessários à alma carente de necessidades afectivas frustradas das constantes tentativas de invasão própria e também alheia à vontade de viver uma vida que nunca se desejou e sempre se desprezou mas que sempre se amou com tudo o que está por dentro do nada que sempre se foi na alma vazia e carente e necessitada desse amor que não me pudeste dar porque me abandonaste antes de me morrer e assim me fugir para sempre..
não sei porque te escrevo tanto quando sempre te esqueci..
será que me visitaste e comigo tentaste falar ao fim de tantos e tão cheios de esquecimento anos longos e solitários?
proso-te agora sem conhecimento de causa numa catarse reveladora da falta que tens dentro de mim encontrado caso me tens visitado, coisa que nunca te permitiria até te redescobrir ainda viva nesta memória autofágica..

invasão frustrada

parede calafetada a negro
que tento invadir a branco
passageiro desse transporte
que nunca regressou
a este nosso presente
inodoro e incolor
repleto de dor
nem que seja a minha própria
egoísta e barroca

estou farto deste eu
que nesse coração tão meu
apenas vê desprezo

é triste este peso
carregar tão sozinho
quando em ti preso
encontrei um caminho

poderei eu encontrar forma
de te manter em mim
sem que o teu desejo
seja para mim uma falta?

25 de maio de 2007

em rio seco lavado..

paz redentora do desespero que se vai escoando
lutando sempre em mais palavras estúpidas
mas nesta fragilidade ganha a tua luz
não sei ainda onde me levo contigo comigo

noite sem fim de palavras e toques e olhares
soltos por vezes no abandono da insensatez
ou reprimidos no conhecimento demasiado
de algo que deveria estar certo
mas neste deserto só nosso
és oásis miragem e sequestro

mas és também rio transbordante
de alma molhada por cima da secura
de outros dias
outras vidas?

23 de maio de 2007

as cidades do fim

esta Babel em nós
desperdiça-nos o futuro
mil palavras vazias para escrever o desespero
nesses corações tão vazios de alguma coisa mais tangível
que o silêncio que ainda nos separa

castrados por um deus impotente
e por homens ejaculando nódoas morais
Auschwitz intelectual
o horror normalizado
o ódio mora aqui ao lado de nós
e dentro de nós se instala
o sentimento conceptual
de odiar porque sim

Sodoma lipoaspirada
do prazer ténue mas real
do gasto fácil de mais um esperma
do calor a enregelar em nós
do futuro cancelado sem devolução
últimos morremos

explodes miséria
corrompes sangue e o amor
és Jerusalém dos mortos-vivos
que se enfrentam no vazio
das almas

essa Lisboa que é tão minha
como distante me está
bandeira do que sou e escrevo
analfabeta e suja parida
lavada por temporal sísmico
de gravata e tão rota..

19 de maio de 2007

mãe

nota curta na memória esquecida
és tu assim na minha história poluída
por anos de auto degradação
chega de mental masturbação
equipamentos em vão produzidos
carregam cadáveres a mil paridos
chorados desprezados esquecidos
carentes acidentados suicidas
já te chorei demasiado sem saber que eras quem me faltava
na minha alma sempre foste quem de fora ficava
lírica diarreia eterna sem te conhecer
afectiva asfixia sem te poder esquecer
na verdade estás sempre no meu ser
sinto ainda que te estou a dever
horas e dias e noites
do nosso passado
ler e reaver e te conhecer e saber
quem era esse teu ser
que me pariu num passado
longínquo esquecido e gasto
é esta agora a hora de renascer a tua memória
e esse poço escuro abjecto tornar história

17 de maio de 2007

em ti

é como choques eléctricos
papel em branco cheio de ti
à margem do que me fugiu

és doença boa repentina
esquina de rua estreita e quente
tenho vício de ti
carocho terminal no teu (desas)sossego

nesse teu livro leio-me quem sou
o medo foge para ontem
e o desconhecido mostra os dentes
menos amarelos

trepidação momentânea
perfume alucinante
alugo nova alma
tentativa de saber o teu tamanho
serve-te talvez?

tenho já menos de mim
e mais também
Ares, isto sou eu..

13 de maio de 2007

as coisas do amor e do ódio

rimas..

mensagens de amor e ódio
neste corpo que tu lavras
entre os ossos e as larvas
quanto mais fundo escavas
o túmulo do meu desprezo
pelo mundo por ti por mim
não morro porque não vivi
uma vida já morta assim
sem um começo nem um fim

a campa do meu medo
está deserta encoberta
pela carência certa
desperta e acorda para isto
a corda ainda resiste
o veneno ainda persiste
morri quando me sorriste
mas ainda não desististe
deste triste palhaço
magoei mas não fugiste
do meu humano lixo
sempre morto sempre fixo
na estúpida ideia fixa
que não sou mais um turista
que anda a ver as vistas
não acredito nas revistas
nem elaboro nas pistas
nem acreditas o que visto
contra tudo ainda resisto
persisto mas já fraquejo
porque a solidão almeja
uma outra alma que seja
na tua companhia despejo
o ódio que me enfraquece
e me escurece e adormece
acabam-se todas as preces
sei que melhor mereces
para tudo que melhor és..

sem título

escorro sangue verbal
numa verborreia mental delirante
o fim das palavras

e tal..

é maltrapilho este amor
que vai surgindo entre aspas
de coisas que ainda me assustam
após lento e pesado convívio
com a solidão mais abjecta